sábado, junho 25, 2016

RPG e a violência contra os jogadores


Quinta e Sexta foram dias bem perturbadores, em vários aspectos. Depois de conhecer um novo nível de idiota (no meu mundinho eu não tenho muito acesso a esse tipo de gente) eu achei que eu deveria escrever sobre as diferenças entre violência "física" contra em personagem de jogo (tipo quando ele é acertado por uma espada vorpal) e violência psicologia contra um jogador(a). 



Muitos GMs (homens nesse caso) não entendem que algumas coisas são perturbadoras para jogadoras/mulheres. Porque eles são homens, o foram a vida inteira e apesar de terem ganho o 'poder da empatia do jogador de RPG' (ou assim acreditam) não conseguem ver o outro lado e perceber que não estão sendo realistas, estão apenas sendo GMs RUINS por não saber lidar com a audiência feminina (ou com audiências de outras faixas etárias, mas esse assunto fica pra depois).

São GMs que esquecem que filmes, jogos, livros, etc, podem ser perturbadores e desconfortáveis mesmo não sendo 'reais'. Da mesma forma algumas cenas de jogo podem ser perturbadoras, algumas para mulheres, outras para homens.

Mas então porque as pessoas jogam? Conflito é parte do desafio e o jogo precisa de desafios para ser interessante: As pessoas reais as vezes querem uma 'perturbação' COGNITIVA (esse é o barato do jogo), mas geralmente não querem uma perturbação EMOCIONAL.

Em fim, eu achei melhor ler um pouco antes de escrever e depois de 2h cheguei a conclusão que não preciso escrever nada, já esta tudo escrito. Mas eu vou contar, bem resumidamente um evento (causo) de 2003.

Eu fui mestrar Vampiro para um grupo que não era o grupo com o qual eu costumeiramente jogava. Esse grupo tinha quatro jogadores entre 17 e 21 anos (eu tinha 22). Eu tinha jogado com esse grupo novo umas duas vezes, eles tinham um estilo totalmente diferente do meu, tínhamos uma questão de 'bairrismo' rolando entre eu e alguns desses jogadores e eles já tinham tido 'dificuldades' com umas namoradas que sentaram na mesa algumas vezes (note que isso é diferente de ser jogadora - a guria que não sabe nada e não esta nem tentando aprender, que esta lá 'esperando o namorado', a pessoa que passa as 4h da sessão perguntando 'o que eu rolo?' não é jogadora, ela esta jogadora naquele momento e depende do grupo e do mestre fazerem um bom trabalho para que ela SE TORNE jogadora).

Eu não lembro bem a aventura, foi um começo meio difícil mas eventualmente o pessoal se aclimatou, construímos aquela confiança minima que o jogador precisa ter no mestre para se permitir entrar no mundo (e aqui eu ressalvo, minha hipótese: uma jogadora confiar em um narrador provavelmente demora mais que o oposto), o meu jogo era totalmente diferente do deles. Rolamos os pontos de sangue iniciais e obviamente a noite começaria com uma caçada. Caçada para eles era sinônimo de rolar uns dados, olhar a tabela, descontar as horas gastas caçando, rolar mais dados e ver quantos pontos de sangue ganharam. Para mim... bem, pra mim envolvia toda a minúcia de 'onde você vai', 'o que você faz', 'quem você escolhe' e as consequências disso. E assim foi toda a primeira metade do jogo, em que os jogadores se espalharam e foram cuidar dos seus pontos de sangue cada um a sua maneira. Foi tenso, para uns mais que para outros, e essa tensão deixou o jogo divertido. O medo de ser visto, o receio de dar errado, matar ou não a vitima, fugir da policia, etc.

Um dos jogadores (o mais novo) decidiu que seu personagem iria a um strip club e levaria duas moças para casa. Ele me contou sobre o modelo do carro do personagem, suas roupas, classe, estilo, cobertura luxuosa etc. E eu fiz duas moças deslumbradas MAS que sabiam bem a vida que viviam, aptas a lidar com a efemeridade do luxo que na vida delas era passageiro. Fizemos conversinhas em on entre o PC e as NPCs eu notei que isso agitou a mesa, que silenciosamente ouvia tudo. Sim, eu tinha uma mesa de adolescentes e duas NPCs o quão elaboradas eu podia fazer naquela ocasião. Em fim o PC chegou em casa, acenou para o porteiro, as moças também acenaram, o carro ficou na garagem, a cena do elevador já ficou ruim porque a expectativa era que algo deveria começar a acontecer ali mesmo, mas perguntando ao jogador 'o que você faz' a resposta foi 'nada'. Subiram os três 19 andares em silencio no elevador de espelho gigante, e essa não era a expectativa de ninguém. E esse 'não faço nada' era a primeira dica sutil de 'essa cena esta ficando desconfortável' (e nem era um estupro). Eu não percebi. Sim, foi um momento mestre ruim.

Chegaram no apartamento, ele mostrou o apartamento a cena perdeu totalmente a fluidez que teve durante o carro, nessa hora eu percebi que os detalhes não eram necessários, eles podiam ficar a cargo da imaginação de cada um sem serem compartilhados com a garota que ninguém ali conhecia. Então eu perguntei de forma mais geral o que ele fazia. Ele ficou constrangido e só me dava respostas abstratas como 'faço o que tem que ser feito'. E eu fiquei super confusa porque eu não sabia se isso significava continuar com o programa como tinham combinado OU dar uma mordida em cada uma (e seria um plot separar as duas para morder uma sem a outra surtar) e sugar até desmaiarem. Eu perguntei mais umas duas coisas e ele ficou aborrecido, no fim perguntei 'você paga elas depois?' e ele disse 'só mando elas embora'. 'Só mando elas embora' me fez assumir que elas estavam conscientes o bastante para sair andando, sem serem pagas. Mais tarde ele foi sair de casa e notou que as moças tinham passado pela garagem e destruído o carro no melhor de suas habilidades mortais.

Uma parte do grupo riu, outra parte me fuzilou com o olhar e tivemos uma péssima conversa pós-jogo com direito a: 'nunca mais faça isso com o meu irmão' seguido de uma rolagem de intimidação que foi consideravelmente bem sucedida (eu nunca mais narrei vampiro para eles, apesar de alguns pedidos). Nunca ficou claro o que exatamente era o 'isso' do 'nunca mais faça isso', mas suponho que envolva constrange-lo com uma cena desconfortável e destruir o carro que, naquela ocasião, tinham um valor simbólico importante (para eles pareceu que depredar o carro foi birra minha, para mim era o simples fato de que 'escolhas precisam de consequências' e as NPCs estavam bravas por não serem pagas).

Note que eu não tinha uma birra com o player. Eu não tinha a postura pre-estabelecida de "na minha mesa, se um cara gostar de putaria as putas detonam ele". Não era algo tipo "ele é feminista, vou transformar a vida dele num inferno por isso". Foi o desencadear da história que, por inexperiência minha, e pela maturidade esperada de alguém de 17 anos, resultou em um jogo não divertido para ele.

Quando você coloca uma cena de violência, ou de estupro, na mesa (espero que você esteja jogando em um ambiente privado nesse caso, e não em uma game house) isso esta contribuindo para história ou você só esta embirrando com a jogadora? Se ela claramente diz que não quer isso no jogo e você insiste você esta sendo um mestre RUIM e uma pessoa RUIM. Você esta sendo alguém mais interessando em satisfazer seu lado sádico do que em tornar o jogo divertido. Você esta sendo alguém arrogante que acha que tem alguma 'lição a ensinar' para ela. Ou para dizer de forma simples, você esta sendo um babaca, não importa o realismo do mundo se existem elfos, ou magia, ou dragões, ou deuses, ou poderes, ou fichas e dados.

Alias, por falar em realismo, estou esperando ver um jogo em que rola um estupro e a família da moça, pai, primos, irmãos aventureiros, aparecem para dar cabo do PC estuprador, isso é bem realista também, mas seu realismo, e sua 'super empatia de RPGista', vão só até onde convêm, né?