sexta-feira, dezembro 12, 2014

Angústia "virtual"

Eu entendo como é facil sentir-se deprimido diante da Internet. Eu sento na frente do PC e fico tonta com tantas coisas, com tantos mundos reais e imaginários para se explorar, da literatura de fantasia aos artigos cientificos, tanto conhecimento, tanta coisa para aprender que eu nunca vou saber.

Eu sento no PC e não sei por onde começar, ou onde e quando terminar, e dá uma agonia tão grande, dá a ideia de que estou mergulhando na ‘teoria do mundo’ e quanto mais fundo eu vou menores são as chances de experimentar essas coisas na prática. Por que a Internet toma tempo também. E cada dia lendo um monte de coisas é um dia que eu não viajei, que eu não fiz algo emp rol de viajar, que eu não conversei com uma pessoa nova, que eu não brinquei com o meu cachorro apesar de ter lido sobre várias cachorros e ter visto fotos de inúmeros gatos.

É angustiante.

Hoje eu li um artigo em espanhol sobre genetica, li um artigo muito bom do The Guardian, When Data gets Creep com vários links para várias outras coisas interessantes. Li que a água do 67P é diferente da água da Terra, o que avassala algumas teorias. Li sobre o estilo Neo-Noir, que me remeteou ao Cowboy Beebop e descobri que existe o Cowboy Beebop UT, que eu não assisti ainda. Eu li e-mails, calendários de atividades da USP e da UFSC, um pequeno conto que escrevi e do qual já não me lembrava, os slides da aula, news feed do Facebook.

Enquanto eu escrevo isso eu estou lendo um artigo super legal sobre os generos literarios que os leitores mais provavelmente lêem até o final, e sobre como ‘grandes’ best sellers são deixados pela metade por boa parte dos seus leitores.

Listando agora me ocorre que eu leio bastante até, eu leio muito mais do que eu mesma imaginava. Eu não li nenhum livro esse ano, embora eu tivesse vontade de faze-lo. A internet come todo o meu tempo, com textos pequenos, um link por vez.

Mas por mais que eu leia, não é o bastante, a pilha só cresce, as pessoas não param de escrever. Muito pelo contrário, mais e mais pessoas começam a escrever. É bom que continuem escrevendo, é impressionante quanto conhecimento se pode produzir, transmitir, inventar (e quantas bolas foras se pode dar também), quantas coisas bonitas, artisticas, ou engraçadas as pessoas conseguem imaginar. E eu me sinto ficando para tras em uma dolorosa tentativa de acompanhar esse ritmo. Da medo.

Da também uma saudade desconhecida de um tempo em que o nosso mundo era tão pequeno que a maioria de nós podia, de fato, saber tudo. Saber tudo é uma experiencia que eu nunca vou ter.

segunda-feira, dezembro 08, 2014

Ashes to Ashes and Dust to Dust

(conto escrito pelo kas)


Eram quinze para as sete e já estava ficando escuro. Os roncos dos trovões a distância deixavam a impressão que iria cair uma baita tempestade, mas mesmo assim os dois engravatados desciam as escadarias do prédio decadente e velho. Iriam pegar um belo trânsito ao voltar, com certeza.
—Lugarzinho, hein? Isso é cheiro de mijo, isso é cheiro de mijo com certeza, mijo de rato.
Sem resposta, o outro homem apenas descia a frente, mais resoluto, um lance de degraus. Agora a lâmpada estava queimada e como era um nível subterrâneo ficava bem escuro, quase ocultando o que seria um nítido símbolo arcano pichado em preto em uma parede. Um mendigo, jogado ao chão, talvez morto ou dormindo profundamente, obriga os dois a um pequeno salto por cima de seu corpo.
—Ai meu Deus... Vamos voltar.
—Volta, fica, faz o que quiser, caralho! Só vê se cala a boca!
—Porra, qual é a sua Ramirez? Vim aqui, justamente para dar apoio tático e você fica todo cavalinho?
—Eu já estou nervoso e você fica de frescura, me deixando mais nervoso ainda.
Os dois chegam de fronte a uma porta de madeira; aquele que vinha a frente respira fundo e fala com um tom baixo, para si mesmo:
—Segundo subsolo, quinta porta. Sem número... É aqui. É... Lá vamos nós...
Ele leva a mão para bater na porta, mas se detém, a mão treme. Ramirez não conseguia, suor escorria pela testa e os olhos ficavam fixos na madeira. Porém, o outro homem, de cabeça baixa, bate na porta. “É, agora não tem volta” pensava Ramirez.
Ao baterem na porta, viram que ela não estava tranca e nem ao menos fechada, o simples toque dos nós dos dedos a abrira quase até a metade. Dentro uma sala escura e fria os aguardava. Era como que uma sala de espera de um dentista, ou oftalmologista ou qualquer escritório, mais ampla, com várias poltronas. Uma televisão velha desligada acumulava pó em uma das paredes. Alguns vasos de flores talvez tivessem dado ao lugar um bom clima no passado, mas agora, mortas, apenas serviam para aumentar a sensação de abandono.
Eles adentram o lugar, passos lentos, tímidos conforme tentavam se acostumar a um novo nível de escuridão.
—Ele já vai atender o Senhor Ramirez—Dizia uma voz que vinha do balcão da secretária. Era uma voz feminina, velha, arrastada e rouca. Porém não havia ninguém lá. O acompanhante de Ramirez simplesmente grita, vira as costas e sai correndo. Ramirez por outro lado fica congelado.
Talvez o nome dele, dido alto no escuro da sala, vindo de um lugar vazio, tenha sido demais para mexer com a sanidade dele. Ele ainda conseguiu ouvir conforme o outro homem tropeçava no mendigo, gritava ainda mais alto e voltava a fugir. Porém, Ramirez se aproxima do balcão, vendo que, de fato, não havia ninguém abaixado atrás dele. Ele inclinava a cabeça devagar, olhos arregalados e rosto bem branco.
—Pode entrar de livre arbítrio, na sala três, senhor Ramirez—A voz surgia à frente dele, no espaço vazio entre o balcão e a parede. Os olhos dele se voltaram diretamente para o que seria o rosto, a altura de que o som surgira... E nada via. Absolutamente nada. Dois passos para trás e quase molhando as calças, ele se deteve.
De fato, havia quatro salas ali e ele foi, já meio em choque, para dentro da sala três.
=-=-=-=-=
O ambiente lá dentro era um pouco mais agradável. A luz de um abajur deixava o espaço amarelado e uma televisão preto-e-branco antiga estava sintonizada em um jogo de tênis. Claus estava abaixado, pegando uma garrafa de água com gás gelada do frigobar, quando Ramirez entrou.
—Gurowsky? É você mesmo? Caramba... Nós achávamos que você tinha morrido...
—Oi, senta. Quer água?
—Não... Não... Claus Gurowsky? Turma de 97?
—Pô Ramirez —ria baixinho— É este o nome que está nos meus documentos. Senta. —A voz era tranquila, com um leve tom de tédio. Assim que se levantava de trás da mesa, releva-se um homem já chegando aos seus quarenta, tal mesma idade que Ramirez tinha. Mas ao invés de um belo terno e carreira confortável do outro, Claus usava uma camisa simples, barata, e um casaco de couro surrado por cima. As mãos deles também haviam mudado. Claus tinha mãos brutas, dedos grossos e fortes, enquanto Ramirez tinha mãos de digitador, de segurador de uísque fino.
—Você mudou muito... Porque sumiu?
—Mulher e dois filhos lindos. Eu tenho que cuidar deles, né? É isso que se espera. E você? Está bem, hum? O escritório está um sucesso pelo visto. Meus parabéns.
—Eu? Não, eu não. Eu tenho uma namorada de vinte e poucos, estudante de administração, quase metade da minha idade e... Claus, que lugar infernal é este? Eu fui atendido por um fantasma?
—Fantasma ou um sistema de viva-voz na mesa?
—... AHAHAHAHA! NOSSA CARA!! Que susto!! —Ramirez se reclinava para trás— Eu realmente achei que você tinha morrido e que a secretária era um fantasma! Que idiota! Nossa, que alívio!!
Claus dava um sorriso bem breve, e logo o outro continuava.
—Bem. Eu não quero tomar muito o seu tempo, mas eu preciso de sua ajuda. Muito. É um assunto delicado. Mas eu entendo que você atende assuntos delicados, não é?
—Isso mesmo. Algumas pessoas precisam de alguém amigo para fazer algumas tarefas complicadas. Eu geralmente sou esta pessoa. Alguém precisa se perder e sumir?
—Nossa. —Ramirez ficava surpreso, resumir assim um assunto delicado de forma tão abrupta parecia errado. —Não, não, nada disso. Eu quero que alguns documentos sumam, apenas. Coisa bem simples. Eles estão na casa do meu irmão e eu não o quero com estes documentos.
—Como estão seus pais?
—Mal. Sofreram um acidente na avenida da bolsa, no cruzamento, uma van furou o sinal e acertou o carro deles. Ambos estão a perigo, principalmente o pai, coitado, agora respira com aparelhos. É horrível de se ver. Ficamos lá, empoleirados, vendo sem poder fazer nada. O seguro de vida, no entanto é absurdo.
—Sinto muito.
—É... Eu também... Mas enfim, quanto me custaria para tirar o peso destas “responsabilidades administrativas” dos ombros do meu irmão?
—Bem... Não cobro. Eu apenas tenho que cumprir cotas. É bem simples, embora meio burocrático, eu trabalho com uma equipe funerária e gostaria que você assinasse um termo que diz que você quer ir para o nosso estabelecimento depois de morrer.
—Que?! Que loucura... Não entendi direito. É tipo dizendo para qual cemitério eu vou?
—Tipo isso.
=-=-=-=-=-=-=
A caneta deslizava no papel, o contrato parecia bem estranho e não estava registrado em nenhum cartório, Ramirez no bater do olho identificava algumas idiotices que iriam impedir qualquer tribunal de aceitar um absurdo daqueles. Mas se seu ex-colega era maluco, o que ele iria fazer? Não estava disposto de recusar um trabalho de graça afinal. Não estava jogando dinheiro fora ainda.
Enquanto isso Claus passava os olhos sobre as informações que Ramirez dispunha sobre o irmão, sobre a casa em que ele morava, seus horários e tudo mais.
—Cotas então, né? Cumprir cotas? —O tom jocoso e divertido de Ramirez espelhou-se no sorriso de Claus que permanecia quieto—Faltam quantos “contratos” ainda para você cumprir a sua cota?
—Dois. Este e mais um. —Apontando com o dedo o contrato recém-assinado. —Depois disso volto pra casa para minha mulher e filhos.
—Mulher e filhos, não é? Hehe... Bem, você mudou muito Claus, muito mesmo, nem parece ser a mesma pessoa. Hoje é dia de ver fantasmas. Achamos mesmo que você tinha morrido, sabia? No tiroteio da boate. Fomos ao hospital e disseram que você tinha falecido.
—É. Eles disseram a mesma coisa para todo mundo. Pros parentes, pros amigos. Imagina como não se sentiram... Deve ter sido horrível.
—Nooossa, coitados. Como pode um erro horrível destes acontecer? Dá processo, sabia? Imagina se alguém enfarta?
—Coitados mesmo.
—Como estão?
—Quem?
—Teus pais, ora.
—Faz muito tempo que eu não os vejo. Não sei.
—Bem, eu te entendo. De qualquer forma, Claus, cara, foi um prazer. Eu tenho que ir que deve estar caindo a maior chuva. —Eles trocaram um aperto de mãos. Ramirez sentiu a mão gelada de Claus ao redor da sua, fria e dura como mármore. Mas nem de perto tinha sido a coisa mais estranha do começo de noite. Ao sair para a área comum, a sala de espera, fez um gesto obsceno em direção à mesa vazia enquanto falava em direção à viva voz:
—Até mais, boa noite e obrigado.
Ninguém respondeu, conforme ele saia pelo corredor, acelerado e alegre, de espírito leve. Literalmente ele pulou o mendigo e saltitou escadarias acima.
—Grosso—Ouvia-se uma voz de uma senhora na sala de espera.
=-=-=-=
—Olá Ash.
Das sombras da sala surgia uma garota de cabelos castanhos, usando uma jeans negra e uma camisa branca justa. Ela tinha um aspecto belo e perigoso, como o nadar de um tubarão ou o rastejar de uma cobra. Meio hipnótico e levemente desconcertante. Algo a respeito dela era estranho indicava que havia algo ali de inumano, apesar de que tentar determinar o que exatamente era ser infrutífero e frustrante, no mínimo.
—Dust.—Claus indicava a cadeira para que ela se sentasse.
Ela sentava na beira da mesa, virada para ele de braços cruzados, olhando para baixo, direto para o rosto dele— Eu sinceramente não entendo, Sabia? Ver você aí é a mesma coisa que ver alguém usar uma colhedeira agrícola para fazer uma cirurgia plástica. Não é só o desperdício, é que existem pessoas melhores, ferramentas melhores para o trabalho. E ficar atrás de “cumprir cotinhas”? Pegando um por vez? Não, não, não... Olha este lugar, que porcaria. Este lugar está imundo. E televisão preto-e-branco? Sério? Quem usa isso?
—Aparentemente... Eu. Eu não sei, veio com a sala e funciona, nada demais.
—Vamos lá. Tem um monte de guerras lá fora para serem feitas. Ídolos para serem levantados! É a nossa era. Nosso tempo. Genocídios. Imagine os genocídios. Este mundo é nosso e você fica aí... Usando este cadáver feio e pegando um contrato por vez.
—Eu tenho uma cota a cumprir, mais dois contratos comple...—
—“soltar minha mulher e voltar pra casa”, eu sei, você já falou isso antes.
—Então não pergunta.
—Eu não te perguntei! Seu pamonha! Eu estou falando pra você parar de ser lerdo e começar a pensar no seu futuro. Vamos lá Ash, trabalha comigo e eu prometo que você vai esquecer a sua esposa. Na verdade eu vejo muito talento em você. Muito potencial desperdiçado. Mas para exercer isso você precisa expandir seus horizontes, pensar grande, sabe? Este mundo não vai durar muito mesmo e, pelo andar da carruagem, já tem muito peixe grande percebendo a mina de ouro que é este povo. Você tem que aproveitar, o que me diz?
—Dust, para. Na boa, para. Pela nossa amizade. Ninguém vai fazer eu “esquecer” a minha esposa. Muito menos você. Temos um casal de filhos pequenos que precisam dos pais por perto e eu estou pensando neles. Depois penso em promoções, destino, realizações e culto ao meu ego, certo?
—Como você é teimoso!! Ugrh!! Tem coisa muito melhor que sua mulher batendo na sua porta e você nem percebe, né?
—Não, não tem não, Dust.
—Mas é um panaca mesmo. Um troncha, um paspalho... Vocês dois se merecem. Tchauzinho. Fui. Perdeu. —A garota se levanta em um salto e caminha rapidamente para o canto escuro da sala, sumindo tão logo a luz da televisão a ofusca.
=-=-=-
O telefone toca de madrugada na cobertura de num dos arranha-céus da cidade. Ramirez acorda em meio aos seus lençóis de seda. A enorme janela panorâmica mostra um céu escuro, ainda longe do amanhecer. Ele desperta em meio a um susto e atende ligeiro o telefone celular. A seu lado, uma mocinha loura, muito mais nova, desperta também no susto. Seus olhões azuis ficam curiosos conforme Ramirez pergunta já nervoso.
—Alô?
—Senhor Henri M. Ramirez?
—Sim? Sou eu. Pois não? O que houve?
—Eu sou o tenente Stollstein e eu estou ligando para informar que houve um acidente na casa de seu irmão. Como parente único parente em condições, gostaria de chamá-lo para o local.
—Ai meu deus... Não! Não! Monte está bem?
—Sim, está. Está em estado de choque e muito nervoso apenas. Parece que explodiram o cofre.
Foi então que Ramirez sorriu de orelha a orelha. Ele levou a mão até a bunda da garota nua que estava a seu lado e apertou forte. Ela reclamou baixinho:
—O que houve Rami?
—Eu acabei de ficar muito... muito rico.
—Nós né? Nós ficamos ricos?
Ele aperta mais forte com a mão a fazendo reclamar novamente:
—É... Isso... Claro... Nós.
Ele nunca se arrumou tão rápido. Um pente nos cabelos, indispensável, e um traje especial para a ocasião. Uma camisa nova, aberta até o terceiro botão, rosa. Uma jeans, também nova, com rasgados e partes gastas de fábrica e tênis novos, chamativos e brilhantes. Ramires radiava felicidade conforme descia o elevador. Nas mãos, a chave de seu carro esporte.
Como tinha sido rápido! E eficiente! Mas os pensamentos de Ramirez logo começaram a ir para um lugar mais sinistro. E se a polícia tivesse desconfiado de algo? E se fossem o prender? Será que tinham pegado o Claus?
Pensamentos ligeiros ecoam e quicam dentro da mente dele durante a viagem, mas são todos calados quando ele chega junto do portão de entrada para o terreno da mansão da família. O portão estava retorcido, deformado, como se alguma coisa muito grande e muito quente tivesse atravessado as grades.
Além dele, diversas sirenes brilhavam na noite. Ambulâncias, carros policiais e mais outras coisas, talvez bombeiros, Ramirez já não conseguia fazer juízo daquela bagunça toda. Passava devagar com o carro pelo passeio até a entrada da mansão. Os dobermanns da família estavam caídos no chão, mortos. O cheiro do sangue conseguia ser sentido mesmo com as janelas fechadas.
Ele viu, através do vidro do carro, seu irmão embrulhado em um cobertor, sentado junto a uma ambulância. Usando um pijama simples, parecia em estado de choque. Ramirez saltou do carro ali mesmo e correu, esquivando-se de todos dizendo “Sou o responsável, sou o responsável” em direção ao irmão. Quando estava quase chegando, parou surpreso e perdeu as forças nos joelhos.
Pois viu então que parte da mansão havia explodido. A explosão havia arrebentado uma sala, o escritório onde havia o cofre, este tal que detinha os documentos. Mas a explosão fez muito mais que isso. Destruíu a parte de cima da casa e demoliu parte da estrutura. No chão, vários sacos pretos continham corpos, empregados, parentes... os seus sobrinhos.
Ramirez sentiu enjoo e quase vomitou ali mesmo quando começou a contar os cadáveres levando à mão a boca, percebia que quase toda a família do irmão tinha sido morta com a explosão:
—Meu Deus, Monte... Meu Deus...
Ele olhou para o irmão com olhos de vidro. Traumatizados além da compreensão. Monte se levantou devagar, como um zumbi, e caminhou na direção de Ramirez que empalidecia. As mãos de Monte soltaram o cobertor e vieram na direção dele. Ramirez fecha os olhos:
—Não! Para! Me solta!
Mas Monte apenas o abraça, Ramirez demora a entender o abraço e empurra o irmão para longe. O tenente surge detrás da ambulância e olha os dois:
—Senhores, a explosão parece ter sido causada por armamento militar. Estamos informando o exército. Por favor, já existem ordens para que não falem com a imprensa.  
—Entendo policial... Obrigado... Houve sobreviventes? Tirando meu irmão?
—Bem, a sua cunhada que estava no mesmo quarto que seu irmão está em estado grave, mas já foi levada de helicóptero até o hospital. O resto... Infelizmente faleceu. A explosão afetou justamente o andar inferior, abaixo dos quartos.
Ramirez compreende e assente com a cabeça, o policial parece querer dar um momento para os irmãos e sai. Monte, agora volta a se sentar, já sem a coberta e fala, meio trêmulo:
—Eu não entendo quem poderia ter feito isso. Cachorros, crianças... Crianças... Gente inocente.
—Apenas um monstro, Monte. Apenas um monstro. Eu sei que nada que eu faça irá trazer sua família de volta. Infernos. Nossa família de volta. Pois eram meus sobrinhos também! Mas eu vou te vingar, Monte. Eu prometo que eu vou matar o filho da puta que fez isso.
—Não precisa Henri. Não precisa. Eu já cuidei disso.
Ramirez sente um frio na espinha, um calafrio sinistro.
—Erm... Como assim, Monte? Você não está em estado de tomar decisões, você sabe.
—Um demônio, eu acho... Disse que poderia cuidar do mandante do atentado, se eu assinasse um contrato faustiniano. Ele disse que estava com pressa e precisava de mais um contrato para cumprir a cota.
—Ai meu deus! AI MEU DEUS!!
Em um salto de recuo Ramirez deixa o inconsolado irmão para trás. O abandonando quando este o chama com a mão. Não podia ser, não aceitava isso. Agora Ramirez precisava fugir dali desesperadamente.
Alguém precisaria falar com Claus novamente e fazer outro contrato, alguma coisa para amenizar ou reduzir, quem sabe anular o contrato sobre a sua própria cabeça. Quem sabe a namorada? Ou seu parceiro e advogado que havia fugido antes? Ele não sabia mas, saltou dentro de seu carro e fugiu com o som de pneus queimando e fumaceira.
Os policiais, vendo que Ramirez estava totalmente fora de controle, tentaram evitar que ele saísse acelerado de carro, mas mesmo tentando se jogar no caminho do carro, Ramirez derrapava e a nada iria para-lo. O carro praticamente se joga na estrada, conforme faíscas brilham na noite, já que a intensidade do movimento fazia com que o fundo do carro batesse contra o asfalto.
Corria. Velocidade impressionante e celular na mão trêmula, ele precisava ligar para a namorada: “Atende, caralho, atende!”. À frente, o farol de trânsito ficava vermelho, mas Ramirez iria aproveitar a velocidade e atravessar nos primeiros segundos de sinal vermelho.
E então... Faróis o ofuscaram pelo lado esquerdo. Ramirez sabia que iam bater e que não havia nada que pudesse ser feito, olhou para o carro que vinha em seu flanco e disse baixo para o motorista:
—Claus, seu filho da pu...
=-=-=
A manhã começava com fila na avenida. Um acidente gravíssimo tinha ocorrido de madrugada e os bombeiros ainda tentavam limpar a pista. Os jornais no rádio e televisão não comentavam outra coisa. Com a morte de Henri, Monte M. Ramirez passava a ser o único herdeiro de uma empresa milionária, mas nenhum dinheiro no mundo poderia aplacar a dor que o homem sofria, tendo perdido tantos parentes inocentes.
Já havia sido encontrada evidencia apontando um grupo rival, que estaria ocultando um núcleo terrorista, ou pelo menos era isso que os jornais publicavam. Monte já dizia, naquela manhã, que não pouparia esforços para “trazer a justiça todos os responsáveis”.
Ash caminha a pé, observando o céu azul, ao lado do engarrafamento. Uma moto linda, moderna e bem esportiva para do lado dele com um ronco quase felino. Dust tira o capacete e o olha de canto:
—Andando a pé? Perdeu o carro?
—É, foi. —Ash sorri brevemente e levemente orgulhoso.
—Você começou uma pequena guerrinha pra me agradar, não é? Eu percebi. Eu sou boa com isso. Eu não achei que você seria esperto o suficiente para querer me agradar.
—Eu terminei a cota. Estou livre.
—Não acho que você vá querer trair sua “esposa e filhos” para vir comigo. Mas... Se quiser, só subir na garupa.
Ash vem perto da moto e rouba um beijo de Dust. Os lábios colam uns nos outros conforme ela arregala os olhos, surpresa. Ela corresponde o beijo de uma forma intensa, interessada e alegre: “Finalmente, ele está pensando”.
—Eu não posso trair minha esposa com você Dust. Seria fisicamente impossível.
É entregando a pilha de contratos da mão de Dust que os olhos dela ficaram realmente impressionados. Memórias antigas que haviam sido tomadas por uma multa voltavam a ressurgir. Os dois antigos a muito caminhavam lado a lado causando destruição por onde passavam e de fato, tinham dois pequenos filhos, um casal. Tão talentoso em destruir mundo quanto os pais, mas precisavam ainda de treinamento.
As folhas, dos contratos, perdiam seu encanto, conforme a maldição era levantada. Dust deixa as folhas voarem no vento, as soltando. Ash sobe na garupa e passa as mãos ao redor da cintura dela, a abraçando.

Dust sorri, um sorriso realmente feliz e sai com a moto costurando pelo engarrafamento. Apenas para desaparecer ao passar por uma sombra.