Brave é uma animção de 2012, produção da (Disney)Pixar, que é considerada atualmente "filha" da Disney. Eu não sei se existe no Brasil algo similar ao que é uma "Parent Company" nos EUA, e não sei quanto da complicada relação entre a Pixar e a Disney importa na questão da Merida.
Qual questão da Merida?
Bem, dia 11 passado a Marida foi coroada a 11a Princesa Disney, juntando-se então à Aurora, Cinderela, Branca de Neve, Ariel, Jasmine, Belle, Mulan, Pocahontas, Tiana e Rapunzel, embora a Disney tenha várias outras personagens femininas em condição de princesa ou comparável.
Junto com a coroação veio uma momentânea super exposição da personagem nos parques da Disney, embora ela já estivesse lá desde 2012. E vieram também novas ilustrações.
Bem, eu quero abordar três coisas nesse post. (1) A primeira é a insatisfação da Brenda Chapman com o ocorrido. (2) A segunda, breve e menos importante trata das versões humanas das princesas. (3) A terceira é uma análise parcial da Merida do filme Brave como "role model". Em parte os dois primeiros aspectos vão me ajudar a apresentar as críticas feitas a atual situação da Merida e lidar com tais críticas na terceira parte.
Foi diretora do Príncipe do Egito e supostamente seria a diretora de Brave, projeto que ela mesma concebeu. Com vários desentendimentos na Pixar ela foi substituída pelo Mark Andrews em 2010. É bem notavel que o filme trata da relação entre mãe e filha. Não é difícil imaginar quão importante, e talvez até pessoal, fosse esse trabalho para a Brenda. Da mesma forma que pode-se até assumir alguma semelhança física entre ela e sua personagem Merida. Me parece bem compreensível que ela tenha ficado chateada e insatisfeita com os resultados finais da animação e com sua (des)promoção a (apenas) co-direção.
A coroação da nova princesa Disney é só mais uma ocasião para revisitar essa insatisfação. Ai a Brenda se pronuncia:
"Eu achei atroz o que eles fizeram com Merida. Ela foi criada para quebrar o padrão de beleza de Hollywood, e dar às meninas um modelo melhor e mais forte, uma mulher com substância, e não um rostinho bonito que fica esperando o príncipe encantado. Mas a Disney mudou isso, e escolheu uma mulher pelo visual sexy e pelo aspecto da magreza. É horrível!" (Fonte: cinepop, leia a notícia na íntegra aqui)
"I think it's atrocious what they have done to Merida (...). When little girls say they like it because it's more sparkly, that's all fine and good but, subconsciously, they are soaking in the sexy 'come hither' look and the skinny aspect of the new version. It's horrible! Merida was created to break that mold — to give young girls a better stronger role model — a more attainable role model — something of substance, not just a pretty face that waits around for romance." (Fonte: Mercurynews, leia na íntegra aqui)
(2) As Princesas nos parques:
(Foto: Jeff Curtis - e mais sobre a coroação aqui) |
Bem, as princesas nos parques da Disney não podem ter 15 (Jasmine) ou 16 anos (Merida, Ariel, etc), elas nitidamente são mulheres maduras por lá. Essas funcionárias não precisam apenas serem bonitas, elas tem que ter um sorriso fácil, jeito amável, habilidade para lidar com as crianças, precisam estar a vontade com o público e, até onde eu sei, precisam ter formação como atrizes (eu já apliquei para esse trabalho :P e como vocês podem notar, eu não trabalho lá).
Sexy nitidamente não é um pré-requisito, e olhando para a Merida da coroação não me parece que magreza seja um também (no caso das Disney Fairies eu cogitaria a possibilidade de ser, mesmo assim acho improvável).
Ai voltamos brevemente a fala da Chapman; quem olhou os links viu que a pobre foi descontextualizada nos dois casos. No primeiro ela parece estar falando sobre a atriz escolhida para ser a Merida. No segundo a fala é um tanto mais genérica mas ainda assim não é claro se o problema é a ilustração ou a Merida de carne e osso.
Enquanto isso, o público de pais e fãs se agita em uma petição contra o "novo visual" da Merida.
"The redesign of Merida in advance of her official induction to the Disney Princess collection does a tremendous disservice to the millions of children for whom Merida is an empowering role model who speaks to girls' capacity to be change agents in the world rather than just trophies to be admired. Moreover, by making her skinnier, sexier and more mature in appearance, you are sending a message to girls that the original, realistic, teenage-appearing version of Merida is inferior; that for girls and women to have value -- to berecognized as true princesses -- they must conform to a narrow definition of beauty." (Fonte: Change.Org: Say No to Merida Makeover)
A aparência mais madura é necessária se você quer que seus filhos encontrem uma Merida sorridente e amigável nos parques. Dá para entender?
Mas, vamos supor que a "nova" Merida (não é nova de verdade, é só uma entre tantas versões da mesma, uma questão de estilo de arte) realmente seja mais sexy, madura e magra; Como esses atributos físicos implicam em ela ser menos brava, menos corajosa, decidida ou disposta a mudanças? Existe alguma lei natural afirmando que pessoas bonitas são automaticamente covardes?
Não vou me delongar, acho que o "mais maduro" tem uma explicação óbvia relativa a questão do trabalho nos parques e a necessidade dos parques.
Por outro lado, a ilustração nova me parece divergir pouco, no que se refere a maturidade ou idade aparente, da personagem apresentada no filme.
Quanto ao sexy, faz muitos anos que um vestido de mangas longas que vai até o pé não é considerado ousado ou sexy. Eu não sei em que mundo vivem as mentes que acham isso sexy:
Sério? Aparecem os ombros dela. Tudo isso o.o Como faremos para deixar ela menos sexy? Burca?
Notem que a "magreza" não tem há ver com o "sexy". Gordinhas (eu não devia usar a palavra politicamente incorreta, né?) podem ser sexies, não podem? Sexy é relacionado a atitude, e nenhuma das duas Meridas a cima me parece sexy. A segunda ainda por cima parece ter o ar bem confiante, que aparentemente esperam da Merida do filme.
(3)On to Merida:
Nós sabemos que a história recebe um ponta pé inicial, que desencadeia o desentendimento entre mãe e filha, por conta do casamento. Eu particularmente teria escolhido qualquer outro elemento que não fosse o casamentoç; "não quero ser rainha" ou "eu quero participar dessa competição que é planejada só para garotos", n outros motivos poderiam ter dado o ponta pé inicial na discussão. Mas escolheram o casamento. E o casamento diz muito sobre a Merida. Daí querem argumentar que pretendem distanciar a Merida da mulher tradicional, da princesa default. Aquela tradicional que "pira num casamento".
A Merida não seria muito mais rica se dissesse "Ok, não dou a mínima, escolham ai qualquer um deles. Eu tenho outros interesses nessa vida"? Não é isso que acontece, a Merida se importa com o casamento, e nitidamente se importa com os pretendentes.
Por algum motivo (por que se não o plot não funcionaria) fizeram questão de colocar pretendentes risíveis para a pobre moça.
Young McGuffin, Wee Dingwall e Young Macintosh. Dois deles não mereceram um primeiro nome. Os três têm pouca personalidade, tendem a nenhum desempenho e obviamente não impressionam a garota. Por quê? Bom, aparentemente a Merida só não aceita o príncipe por que não existe um príncipe ai.
Mas qual a reação da nossa jovem protagonista a esse anônimo personagem:
Quem não lembra eu sugiro que revisite o filme para ver a Merida com ar interessado se ajeitando no trono apenas para mudar de expressão logo em seguida, quando o Dingwall se revela.
Acho que vários adolescentes de 13-17 anos iam adorar pular as dificuldades de uma aproximação e ouvir dos pais um "esse é fulano/beltrana, eu gostaria que vocês tentassem se aproximar e se conheceseem melhor, por favor". Facilita as coisas, huh?
De cara, o filme só funciona por que não existe um príncipe. Do contrário a Merida iria para sua aventura bem acompanhada, como qualquer pessoa normal iria. Ter ajuda não é crime, não denigre caráter e (quase) ninguém gosta de ficar sozinho. Quem gosta de ficar sozinho consegue isso sem grandes dificuldades.
Qual aspecto de "força" as pessoas veem na Merida que não apareceu em outras princesas? A Rapunzel bate em amigos e inimigos com uma frigideira, chega a nocautear o "seu" "príncipe" (eu acho um crime chamar o Flin assim, faltam virtudes no personagem e olha que eu gosto de rogues). A Jasmine, podia ter mais tempo de tela, eu concordo, mas é super proativa distraindo de forma sexy o Jaffar para o Aladdin passar, a cena termina com beijo, que todos devem lembrar e, na minha opinião o esforço da garota é injustamente mal sucedido (devido a necessidade do plot).
Merida passa o filme tentando reparar um mal que ela mesma causou, sua bravura é fatalmente motivada por algum arrependimento. Eu não acho isso bonito ou valoroso, mas eu concordo que isso humaniza o personagem. Tão humano quanto isso é o conflito nítido pelo qual a Rapunzel passa ao sair da torre, quando se divide entre a liberdade e a desobediência. A Rapunzel pensa e sente as opções em um momento que sua decisão pode ser revertida. A Merida não se preocupou com a mãe ao pedir que ela fosse mudada ou ao tentar muda-la. Só preocupou-se, e buscou retratação, depois que a situação atingiu a gravidade máxima.
A Merida enfrenta o pai (e a mãe), isso é, de certa forma, bravura. Isso é de certa forma inevitável também a medida que crescemos e nos distanciamos da geração anterior. E esse processo pode se dar de várias formas, algumas bem mais amenas.
Quase todas as princesas enfrentam seus pais ou tutores em algum momento.
Merida não foge de nenhum padrão de beleza. Olhos azuis, cabelo com brilho saudável, num comprimento longo que poucas mulheres conseguem ter e ainda assim com volume constante. Nada aquelas contas quebradiças e cabelo que vai ficando menos denso ao longo do comprimento. Pele perfeita, quadril, busto discreto mas presente, cintura. Ela é atlética e demonstra isso no filme. O rosto arredondado é uma escolha estética do filme mas ela não é gorda, nem foi emagrecida na arte nova. Um tecido com caimento diferente já é suficiente para causar boa parte das diferenças que parecem incomodar a maioria das pessoas entre uma arte e outra.
No concept art, com o vestido azul que também aparece no filme nota-se o contorno claramente, nada diferente da nova imagem. Ela até pode achar a roupa justa e desconfortável, mas essa é a garota. Padrão de beleza tão inalcansável quanto, se não mais que, as outras.
Merida cavalga e atira de arco. Para mim isso não define a personalidade da moça, isso são possibilidades do contexto social e cultural em que ela vive, ela é incomum mas não esta transigindo nesses aspectos. Ela é nobre, ela pode andar a cavalo, a animação nem deixa claro se isso é algo exclusivamente masculino ou se qualquer mulher poderia faze-lo, a mesma coisa para o arco.
Eu ainda não vejo qualquer distinção entre o modelo de papel que ela representava com as roupas do filme, do modelo que representa com a roupa nova. A diferença me parece mínima.
Ela nem é, a princípio, um modelo realmente bom e forte. Ela tem seus gostos e hobbies, luta por eles até certo ponto. Todas as crianças vão fazer isso naturalmente, com ou sem princesas na vida delas. E todas as princesas Disney fazem isso, de uma forma ou de outra, umas mais que outras.
Em geral recai sobre a Disney a acusação de "idealizar o romance", eu não acho o Brave diferente nesse aspecto. São os pretendentes não ideias que tornam o romance impossível. A Merida "não vai dar chances", ela também esta esperando um cara dentro de alguns padrões e que atinja algumas expectativas, que parecem ser bem altas. A história pode não ser sobre isso, mas isso esta lá, bem claramente até
Muito bem escrito, meus parabéns.
ResponderExcluirAwesome.
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